Destaque do Ano na premiação IABSP de 2021, a Casa São João da Boa Vista, projetada pelo escritório Vão, apesar de localizada numa densa paisagem verde, fica a apenas 2km do centro da cidade. Seu terreno é remanescente do desmembramento de uma chácara onde os pais da cliente residem. Coabitar o local preservando a privacidade foi a principal solicitação feita ao projeto. Por essa razão a implantação desmembra o programa em quatro volumes, de modo a conformar um pátio interno central, para onde as grandes aberturas se voltam. Fotos: Javier Agustin Rojas.
“Habitar, ser trazido à paz de um abrigo, diz: permanecer pacificado na liberdade de um pertencimento, resguardar cada coisa em sua essência. O traço fundamental do habitar é esse resguardo. O resguardo perpassa o habitar em toda a sua amplitude. Mostra-se tão logo nos dispomos a pensar que ser homem consiste em habitar e, isso, no sentido de um de-morar-se dos mortais sobre essa terra”. Martin Heidegger | Construir – Habitar – Pensar, 1951
Da reflexão sobre o íntimo, particular em cada projeto residencial, pautada pelo contexto de um terreno compartilhado, originou-se o projeto da Casa São João da Boa Vista. Remanescente de uma antiga chácara, o terreno foi sendo desmembrado e incorporado pela cidade ao longo dos anos. Ali, bem próxima à nova construção, permaneceu preservada uma casa antiga onde ainda residem os pais dos clientes. Coabitar proporcionando privacidade aos núcleos familiares era, portanto, uma questão.
Espalhados pelo terreno, os volumes inflexionados e seus braços conectores desenvolvem-se ao redor de uma paisagem interna, o pátio central, para onde tudo se volta e se abre. Ou seja, a implantação do pátio envolvido pelo corpo da casa, protege, como um útero (habitat original), o desenvolvimento da vida.
Exteriormente, a horizontalidade dos volumes é interceptada pela verticalidade dos troncos das árvores; enquanto nos espaços internos suas copas são enquadradas a partir de janelas altas. Esses volumes foram construídos com material bruto ordinário (bloco e tijolo cerâmico caiados) e se arraigam ao solo por intermédio de baldrames de concreto, que afloram em todo embasamento e acomodam os diferentes níveis. Outro elemento organizador da topografia, os muros de pedra trabalham ora como arrimo, ora como delimitação dos outros dois espaços livres (pátios).
Apesar do programa ter sido fragmentado e distribuído nesses cinco volumes, há uma integração visual proporcionada por um tratamento não hierárquico dos espaços. Salas, cozinha, área de serviço, escritório e quartos recebem no projeto praticamente as mesmas diretrizes de acabamentos, tanto nos planos verticais (pintura branca) quanto nos horizontais (cimento queimado e madeira).
Há também uma continuidade de leitura espacial nas coberturas inclinadas que revelam o esqueleto de madeira responsável por sustentar as telhas metálicas abaixo da ardósia. Em razão do clima quente, a estratificação da cobertura constitui uma estratégia para diminuir a incidência solar e aumentar a inércia térmica da casa; assim como as paredes duplas com fiadas de tijolos a 45º que sombreiam suas faces externas.
Um intervalo foi aberto entre as coberturas dos volumes para dar passagem à viga-calha de concreto que atravessa rasgando o espaço. Em contraposição à solidez que caracteriza a casa, o elemento de 12m de extensão e 6m de balanço parece flutuar a 2.10m do piso.
No entanto, além dos aspectos estruturais, funcionais e estéticos que desempenha, a viga-calha é um elemento simbólico que expressa e sintetiza as premissas iniciais do projeto. Isso porque sua projeção demarca uma passarela, onde o começo e o fim são pontuados por duas portas igualmente principais de entradas e saídas: uma que conduz do ambiente urbano ao íntimo da casa, e outra que a conecta a nova construção à casa antiga dos pais.
Fontes: Archdaily e IABSP
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