Segundo lugar na premiação Obra do Ano 2022, prêmio oferecido pela empresa Dornbracht, que celebra o melhor da arquitetura lusófona, convidando leitores do site ArchDaily para escolherem seus projetos favoritos nos países de língua portuguesa, a Casa Palicourea, projetada pelo BLOCO Arquitetos foi pensada como experiência: como habitar a região Localizado próximo aos limites do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, considerando suas especificidades, preservação e possibilidades de convivência equilibrada entre homem e natureza.
Localizado em uma área rural da cidade de São Jorge diretamente sobre um pequeno morro em frente ao Vale do Segredo, próximo aos limites do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, o conjunto da Casa Palicourea é composto por duas edificações “irmãs”: uma casa e um pequeno ateliê. Um dos membros da família é arquiteta paisagista e trabalha com espécies nativas do cerrado e com a preservação e recuperação de espécies do bioma da região. O ateliê será seu escritório e abrigará atividades artísticas e educacionais relacionadas ao Cerrado, funcionando com um anexo da casa. Sendo assim, todo o projeto foi pensado como uma experiência sobre uma forma de habitar a região considerando suas especificidades, sua preservação e possibilidades de convivência equilibrada entre homem e natureza.
O sistema estrutural de ambas as edificações é composto de duas partes que funcionam em conjunto: o núcleo de concreto aparente e tijolo maciço e o telhado em madeira laminada colada (MLC). O objetivo foi combinar a qualificação e contratação de mão-de-obra local e materiais tradicionais de construção a uma grande estrutura leve e pré-fabricada remotamente em MLC e montada no local. Tanto a casa como o ateliê têm os níveis internos adaptados à topografia e ligeiramente elevados do terreno de modo a minimizar a movimentação de terra e evitar a entrada de pequenos animais. Para que não fosse necessário exigir um nível alto de precisão da construção local para o “encaixe” perfeito entre as partes e liberar a obra em duas frentes de trabalho paralelas, as duas partes são estruturalmente independentes. Enquanto o núcleo em concreto e tijolo contém variações de dimensões internas para a distribuição do programa e agrega à sua própria estrutura partes do mobiliário fixo (tais como as estantes e armários do ateliê e cozinha, churrasqueira e bancos da casa), a cobertura de madeira possui vãos regulares em cada uma das edificações.
Os telhados com estrutura de MLC “tocam” os núcleos de alvenaria e concreto apenas através de grandes planos de vedação em vidro fixo. Por esse motivo, foi essencial que a estabilidade da estrutura de madeira estivesse garantida de forma autônoma. Sendo assim, a cobertura se apoia sobre blocos de fundação triangulares que promovem a estabilidade do conjunto em ambas as direções. Eles servem tanto como apoio para os pilares de madeira como ancoragem para seus tirantes de aço. Cada um dos blocos de fundação onde os pilares da cobertura e seus tirantes estão ancorados são também caixas primárias de passagem de águas pluviais provenientes das calhas. Tais blocos possuem diferentes níveis de implantação adaptados à topografia onde foram construídos. Por essa razão, os 16 pilares de madeira das duas edificações (10 pilares na casa e 6 pilares no ateliê) possuem alturas distintas.
A zona dos quartos e banheiros em ambas as edificações foi tratada como área de permanência prolongada e recebeu cobertura em lajes de concreto maciço que delimitam um “colchão de ar” entre elas e a cobertura de madeira. Esse vazio é também um espaço aberto e ventilado naturalmente que promove maior conforto térmico para os ambientes e fornece espaço para a distribuição aparente da maior parte de instalações e equipamentos. Diferentemente dos quartos e áreas contíguas, os espaços de convívio social são dotados de grandes áreas envidraçadas, panos de esquadrias de correr, telas mosquiteiras e brises corrediços vazados de madeira que permitem obter ventilação e iluminação naturais constantemente. Por isso, estes espaços são também os únicos pontos das edificações onde a cobertura e o núcleo se tocam através da grandes painéis de vidro fixo de vedação o que permite que o “teto” desses ambientes internos seja a própria estrutura de madeira do telhado.
O telhado do ateliê possui a melhor orientação solar para o aproveitamento de energia solar fotovoltaica, por isso sua superfície concentra todas as placas que suprem o conjunto (casa + ateliê). Trata-se de um sistema do tipo “ESS” híbrido, o que significa que ele funciona como um sistema “offgrid” que é também ligado à rede de abastecimento. Dessa forma, quando as baterias estão carregadas e as cargas de uso estão supridas ele “devolve” a energia excedente para a rede. Além disso, cada edificação conta também com sistema do tipo “tubos a vácuo” para aquecimento solar da água.
Os telhados das edificações possuem uma única inclinação (uma “água”) que acompanha a inclinação geral da topografia em cada lado do terreno. Eles são entrecortados por linhas de calhas para coleta de água de chuva. As águas pluviais são então filtradas e armazenadas em pequenos tanques nos pontos mais baixos do terreno para periodicamente serem bombeadas por bombas movidas a energia fotovoltaica para um tanque com capacidade de armazenamento projetada para 40 mil litros de água, localizado no ponto mais alto do terreno. Isso permitirá que o funcionamento das duas edificações ao longo do ano conte também com a reutilização de águas pluviais coletadas durante o período de chuvas da região, minimizando o uso de água da rede local de abastecimento. O esgoto das águas de bacias sanitárias e pias de cozinha é processado e tratado em ecofossas enterradas antes de irem para as caixas de infiltração no solo.
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